sábado, 14 de janeiro de 2017

MATERIA PRINCIPAL DE CAPA

Violência nas escolas, inversão de valores


Duas gerações que se conflitam na formação do caráter de crianças e adolescentes. Homens e mulheres educados numa época em que havia respeito familiar e social, não concebem o que aconteceu de lá pra cá. O desajuste levou outros órgãos da esfera pública a ‘ajudar’ as famílias e o Estado a educar a nova geração.  



Maiara Pires






Um desajuste generalizado na formação do caráter de crianças e adolescentes, levou diversos órgãos que não são diretamente ligados ao campo educacional, a se mobilizarem para ‘ajudar’ as famílias e o Estado a educar a nova geração. Foi-se o tempo em que os filhos honravam pai e mãe e que o professor era tratado com a reverência de Mestre na sala de aula. A nova geração se conflita com os valores da boa moral e dos bons costumes. Homens e mulheres educados numa época em que ainda havia respeito familiar e social, não conseguem conceber o que aconteceu de lá pra cá.

Criados há 27 anos para assegurar os direitos da criança e do adolescente, os conselhos tutelares foram estereotipados como entidades que não deixam os pais educarem os filhos. A alcunha é prontamente rebatida pela conselheira Huelma Medeiros: “O conselho tutelar não é inimigo do pai e da mãe. Ele é um parceiro na orientação das nossas crianças e adolescentes. Somos a favor do diálogo e da conversa. Quando a repressão se transforma em espancamento, violência e brutalidade, aí nós entramos em cena para assegurar um direito que está sendo violado”.

A falta de referencial de pai e mãe é um agravante apontado por órgãos como secretarias de educação, Polícia Militar, conselhos tutelares e outros, para que crianças e adolescentes sejam ‘educados pelo mundo’. “Em ações que acompanhamos do Comissariado Infância e da Juventude, encontramos crianças de 10, 11 anos de madrugada em eventos noturnos consumindo drogas e bebida alcóolica. Onde estão os pais que não sentem a falta dos filhos ou não colocam limites para eles?”, indaga a conselheira Huelma, depois de citar o histórico familiar de alguns casos atendidos, como pais separados, familiares que incentivam a ingestão de bebida alcóolica e uso de drogas, entre outros.
Desajuste social
Ainda com relação ao papel da família, o coordenador de Apoio ao Educando (CAED), departamento ligado à Secretaria de Estado da Educação (Seed), Manoel Miranda, lembra que “a educação não se faz na escola, se replica dentro da escola”. Ele destaca, ainda, que a formação de princípios e valores nunca saiu da responsabilidade da família. E faz questão de citar o Art 205 da Constituição Federal que diz: “a educação é um dever do Estado e da família”. A fala de Manoel Miranda demonstra a angústia dos gestores da educação que, diariamente, são cobrados e responsabilizados pela má formação dos estudantes.

A conselheira Huelma chamou a atenção para outro comportamento que, quase não se vê nos dias de hoje. “O pai e a mãe tem que estar na escola acompanhando o desempenho dos filhos. Existem situações em que os pais não sabem com quem o seu filho se relaciona”, comentou ela, antes de fazer um panorama do comportamento da nova geração de crianças a adolescentes em ambiente escolar. Segundo relatou, existe violência entre alunos; entre professores e alunos; entre gestores e alunos e; entre familiares e alunos.
O próprio atual secretário de Estado da Justiça e Segurança Pública (Sejusp), Ericláudio Alencar, confirmou que a até dois anos atrás, quando atuava como delegado de Polícia Civil no Amapá, encontrava diretores de escola e professores espancados na delegacia, por diversas vezes durante o seu plantão.
O que também chamou a atenção da conselheira tutelar é que o desarranjo social independe da condição financeira da família. “Atendemos crianças e adolescentes de todas as classes sociais. O desajuste está generalizado. O que acontece é que existe um mundo preparado para receber estes adolescentes: o acesso fácil à bebida, o tráfico, as facções”, observou.
Para tentar resolver essa ‘bronca’ que pendeu mais para o seu colo, a Secretaria de Estado da Educação busca parceiros para implementar metodologias que minimizem os conflitos no ambiente escolar. É o caso das práticas restaurativas, que são meios para solucionar os conflitos internos e promoção da paz no ambiente escolar, uma iniciativa do Ministério Público do Estado do Amapá (MP/AP). Algumas escolas já aderiram e em 2017, a titular da Seed, Goreth Sousa, quer fortalecer as práticas restaurativas em outras instituições de Macapá e Santana.
Assim como o Ministério Público, que percebeu que o caso é sério nas escolas, o Tribunal de Justiça do Amapá (Tjap) também fez a sua parte para contribuir com a cultura da paz nestas instituições e lançou em agosto de 2015, o Programa de Mediação Escolar. O projeto capacita profissionais da própria escola, para atuarem como mediadores de conflitos.
O coordenador de Apoio ao Educando/Seed, Manoel Miranda, fez uma análise da intervenção do Judiciário neste processo educacional: “É uma mudança de paradigma. A justiça passa a deixar de trabalhar num contexto reativo, para trabalhar num contexto proativo”, frisou ele, enaltecendo a iniciativa.
Segurança nas escolas em 2017
No planejamento da Secretaria de Estado da Educação para 2017, também consta a vigilância física patrimonial na área rural e em unidades de risco na área urbana; a volta de agentes de portaria, principalmente, durante o dia; o sistema de monitoramento eletrônico online interligado com o Centro Integrado de Operações de Defesa Social (Ciodes). Neste sistema de vigilância eletrônica, os professores e gestores escolares poderão ajudar no monitoramento, por meio de um aplicativo de celular. Além destes mecanismos, a Seed também vai fortalecer as parcerias com outras instituições, a exemplo da Polícia Militar.
A Major Marizete Magalhães que atua na Coordenação do Policiamento Escolar Comunitário, já antecipou que a Secretaria de Estado da Justiça e Segurança Pública, irá promover cursos para aspirantes a oficiais e cursos de policiamento escolar para os militares atuarem conforme as diretrizes do Ministério da Justiça e segurança pública nacional.
Ela destacou que outros projetos sociais da Polícia Militar continuarão ao longo do ano letivo de 2017, a exemplo do Programa Educacional de Resistencia as Drogas (Proerd). Por meio desse programa, além das rondas nas escolas, os policiais ministram palestras abordando diversos temas da vivência de crianças e adolescentes.
A intervenção da polícia no ambiente escolar, tem retirado diversos objetos ilícitos do convívio dos alunos. Durante um ano do projeto de Policiamento Escolar Comunitário (2016-2017), quatro batalhões de polícia (1º BPM, 2º BPM, 4º BPM e 6º BPM) conseguiram tirar de circulação em torno de 150 itens como arma branca, munição, simulacro, entorpecente e duas armas de fogo.
Simpósio
Toda essa problemática levou a Coordenadoria Estadual de Segurança Comunitária (CSC) a promover nos dias 12 e 13 de janeiro, o I Simpósio de Policiamento Escolar Comunitário. O evento buscou discutir e apresentar conclusões sobre a atuação da Polícia Militar do Amapá na segurança da escolas da rede estadual de ensino.
Temas como pacificação de conflitos no ambiente escolar, atividades desenvolvidas pelo Conselho Tutelar e práticas socioeducativas aplicadas à criança e ao adolescente, foram alguns assuntos debatidos. O Simpósio reuniu representantes do Ministério Público, Vara da Infância e Juventude, Conselho Tutelar, Polícia Militar e Secretaria de Estado da Educação, no Auditório da Sejusp, em Macapá.
Uma informação divulgada no Simpósio que intrigou o coordenador de Apoio ao Educando/Seed, Maonel Miranda, foi a destinação de R$ 44 milhões do Ministério da Justiça ao Amapá para o sistema prisional, enquanto que, em 2016, o Amapá perdeu uma cifra aproximada de R$ 41 milhões, em repasses federais para a educação. “É trágico”, resumiu o gestor ao lamentar a visão míope do poder público para o sistema educacional.


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