quinta-feira, 3 de setembro de 2015

ENTRELINHAS


O bebedouro, o reitor e o governo
Parte 5

O quadro vislumbrado ao longo da sequência de “O bebedouro, o reitor e o governo”, deixa claro que não é a atual crise econômica a responsável pelos problemas vivenciados pelas universidades federais brasileiras. A crise apenas torna evidente o caos instalado pelas decisões políticas dos sucessivos presidentes, uma vez que nos últimos anos, o governo federal, independente do mandatário (FHC, Lula ou Dilma), seguiu a lógica de privatização do ensino superior preconizada pelo BM. O desmonte da educação pública para gerar recursos no sistema financeiro é poderoso, possui muitos aliados no governo e congresso e tem conquistado diversas vitórias. Não fossem os aguerridos lutadores nos sindicatos e movimentos estudantis, as universidades públicas estariam já completamente destruídas.
A greve de 2015 evidencia essas questões e interesses para aqueles que se propõem a compreender os interesses e movimentos expressos em cada ação do governo por um lado e dos defensores da educação pública por outra. Se o problema fosse apenas uma questão de crise e não de projeto de educação como insistem em nos fazer crer, as solicitações que não envolvem recursos financeiros deveriam ser prontamente acatadas. Entretanto, não é o que ocorre, pois o governo segue a proposta do Banco Mundial. Para clarificar isso, vejamos como age o governo às reivindicações de outros elementos que não a remuneração, como a defesa do caráter público da universidade, condições de trabalho, garantia de autonomia, reestruturação da carreira e valorização salarial de ativos e aposentados. Sigamos nesses itens, de trás para diante.
Vejamos a questão dos salários, aposentadorias e pensões para depois avaliar as propostas que não geram impacto econômico nas contas do governo e que poderiam ser acatadas, caso não estivesse em jogo um embate entre projetos. Aqueles que defendem o governo apontam a greve como corporativista e acusam os servidores da educação de preocuparem-se apenas com os salários. Criticar alguém por defender salários, principalmente quando a remuneração média (do conjunto dos servidores da educação e em especial nos ¾ iniciais da carreira docente) vem despencando em comparação com a de outros servidores públicos federais, é um contrassenso no mundo em que vivemos. Além disso, remunerações condignas tendem a atrair melhores profissionais. A proposta salarial da carreira docente tem afastado bons profissionais de entrarem nas universidades federais, o que significa desmonte no médio e longo prazo. Às solicitações de reajuste e recomposição salarial, o governo nega!
Além do salário, as modificações na carreira docente e as reformas previdenciárias que o governo federal tem implantado faz com que servidores que desempenhem a mesma função tenham remunerações e aposentadorias muito distintas. O governo criou nos últimos anos o cargo de professor associado, que fica acima do professor auxiliar, assistente e adjunto. A melhoria salarial só é relevante na carreira docente ao chegar a associado. Ocorre que o acesso ao nível de associado é recheado de restrições, o que impede o acesso de muitos docentes e, os antigos professores, já aposentados, ficaram retidos na parte inicial da carreira (até adjunto) com remunerações ínfimas. Quando solicitado a reenquadrar os aposentados (e ativos que ficaram retidos pelo interstício) a partir do teto da carreira, o governo nega. Quando demandado a ajustar a carreira em classes e níveis com valores percentuais fixos, a partir dos conceitos expressos na proposta do ANDES-SN, sem que isso gere maiores impactos econômicos, o governo nega. Quando solicitado a garantir a autonomia universitária removendo todo o cipoal normativo que engessa a atuação das reitorias, o governo nega. Quando demandado a assegurar que os recursos cheguem às instituições e sejam livremente geridos ou pelo menos manter os saldos de exercícios fiscais de um ano para o seguinte, o governo nega.
Por fim, os docentes defendem mecanismos para que nenhuma disciplina fique sem professor. Entre os mecanismos estão o governo resolver as demandas de infraestrutura para garantir as necessidades de ensino, pesquisa e extensão das universidades. Além disso, liberar novas vagas e autorizar a ocupação das vagas existentes de forma a atender a carência atual. Reivindicam, ainda, que toda contratação de docentes seja feita por meio de concurso público sob o Regime Jurídico Único (RJU), que não haja contratação de docentes através de Organizações Sociais (OS) e terceirização. Entretanto, para tudo isso, o governo diz não! Mesmo com reduzido ou nenhum impacto financeiro, a solicitação dos sindicatos, o governo nega, nega, nega!
A análise dos fatos colocados clarifica que não há uma teoria da conspiração. O que há, realmente, é um projeto de privatização do ensino superior brasileiro, pois há interesses econômicos muito fortes, inclusive internacionais, balizados no documento do Banco Mundial e que são devidamente abraçados pelo governo brasileiro. Então, será que diante deste cenário, basta cobrar dos reitores a solução do bebedouro quebrado ou esperar que o governo federal em sua benevolência resolva as questões e problemas pendentes nas universidades federais? Voltando à parte 1 desse texto, qual das chapas que concorrem ao Diretório dos Estudantes está em melhores condições de fazer o enfrentamento dos problemas que a educação superior pública tem vivenciado? Será que ainda restam dúvidas?

Há projetos claros e é necessário escolher lados. Todos aqueles que realmente defendem a universidade pública estarão ao lado do ANDES-SN, dos movimentos estudantis combativos e daqueles que possuem uma visão mais abrangente da situação. Estarão, portanto, ao lado daqueles que entendem que o problema do bebedouro não se esgota na gestão ou na crise imediata, mas que há projetos, interesses e políticas implantadas para beneficiar a mercantilização do ensino. Defender a universidade pública significa combater a proposta do Banco Mundial fortemente efetivada nos projetos do governo federal brasileiro. Bom, cabe agora perguntar: de que lado você está?

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