O bebedouro, o reitor e o governo
Parte 5
O quadro vislumbrado ao longo da sequência de “O
bebedouro, o reitor e o governo”, deixa claro que não é a atual crise econômica
a responsável pelos problemas vivenciados pelas universidades federais
brasileiras. A crise apenas torna evidente o caos instalado pelas decisões
políticas dos sucessivos presidentes, uma vez que nos últimos anos, o governo
federal, independente do mandatário (FHC, Lula ou Dilma), seguiu a lógica de
privatização do ensino superior preconizada pelo BM. O desmonte da educação
pública para gerar recursos no sistema financeiro é poderoso, possui muitos
aliados no governo e congresso e tem conquistado diversas vitórias. Não fossem
os aguerridos lutadores nos sindicatos e movimentos estudantis, as
universidades públicas estariam já completamente destruídas.
A greve de 2015 evidencia essas questões e interesses
para aqueles que se propõem a compreender os interesses e movimentos expressos
em cada ação do governo por um lado e dos defensores da educação pública por
outra. Se o problema fosse apenas uma questão de crise e não de projeto de
educação como insistem em nos fazer crer, as solicitações que não envolvem
recursos financeiros deveriam ser prontamente acatadas. Entretanto, não é o que
ocorre, pois o governo segue a proposta do Banco Mundial. Para clarificar isso,
vejamos como age o governo às reivindicações de outros elementos que não a
remuneração, como a defesa do caráter público da universidade, condições de
trabalho, garantia de autonomia, reestruturação da carreira e valorização
salarial de ativos e aposentados. Sigamos nesses itens, de trás para diante.
Vejamos a questão dos salários, aposentadorias e pensões
para depois avaliar as propostas que não geram impacto econômico nas contas do
governo e que poderiam ser acatadas, caso não estivesse em jogo um embate entre
projetos. Aqueles que defendem o governo apontam a greve como corporativista e
acusam os servidores da educação de preocuparem-se apenas com os salários.
Criticar alguém por defender salários, principalmente quando a remuneração
média (do conjunto dos servidores da educação e em especial nos ¾ iniciais da
carreira docente) vem despencando em comparação com a de outros servidores
públicos federais, é um contrassenso no mundo em que vivemos. Além disso,
remunerações condignas tendem a atrair melhores profissionais. A proposta
salarial da carreira docente tem afastado bons profissionais de entrarem nas
universidades federais, o que significa desmonte no médio e longo prazo. Às
solicitações de reajuste e recomposição salarial, o governo nega!
Além do salário, as modificações na carreira docente e as
reformas previdenciárias que o governo federal tem implantado faz com que
servidores que desempenhem a mesma função tenham remunerações e aposentadorias
muito distintas. O governo criou nos últimos anos o cargo de professor
associado, que fica acima do professor auxiliar, assistente e adjunto. A
melhoria salarial só é relevante na carreira docente ao chegar a associado.
Ocorre que o acesso ao nível de associado é recheado de restrições, o que
impede o acesso de muitos docentes e, os antigos professores, já aposentados,
ficaram retidos na parte inicial da carreira (até adjunto) com remunerações
ínfimas. Quando solicitado a reenquadrar os aposentados (e ativos que ficaram
retidos pelo interstício) a partir do teto da carreira, o governo nega. Quando
demandado a ajustar a carreira em classes e níveis com valores percentuais
fixos, a partir dos conceitos expressos na proposta do ANDES-SN, sem que isso
gere maiores impactos econômicos, o governo nega. Quando solicitado a garantir
a autonomia universitária removendo todo o cipoal normativo que engessa a
atuação das reitorias, o governo nega. Quando demandado a assegurar que os
recursos cheguem às instituições e sejam livremente geridos ou pelo menos
manter os saldos de exercícios fiscais de um ano para o seguinte, o governo
nega.
Por fim, os docentes defendem mecanismos para que nenhuma
disciplina fique sem professor. Entre os mecanismos estão o governo resolver as
demandas de infraestrutura para garantir as necessidades de ensino, pesquisa e
extensão das universidades. Além disso, liberar novas vagas e autorizar a
ocupação das vagas existentes de forma a atender a carência atual. Reivindicam,
ainda, que toda contratação de docentes seja feita por meio de concurso público
sob o Regime Jurídico Único (RJU), que não haja contratação de docentes através
de Organizações Sociais (OS) e terceirização. Entretanto, para tudo isso, o
governo diz não! Mesmo com reduzido ou nenhum impacto financeiro, a solicitação
dos sindicatos, o governo nega, nega, nega!
A análise dos fatos colocados clarifica que não há uma
teoria da conspiração. O que há, realmente, é um projeto de privatização do
ensino superior brasileiro, pois há interesses econômicos muito fortes,
inclusive internacionais, balizados no documento do Banco Mundial e que são
devidamente abraçados pelo governo brasileiro. Então, será que diante deste
cenário, basta cobrar dos reitores a solução do bebedouro quebrado ou esperar
que o governo federal em sua benevolência resolva as questões e problemas
pendentes nas universidades federais? Voltando à parte 1 desse texto, qual das
chapas que concorrem ao Diretório dos Estudantes está em melhores condições de
fazer o enfrentamento dos problemas que a educação superior pública tem
vivenciado? Será que ainda restam dúvidas?
Há projetos claros e é necessário escolher lados. Todos
aqueles que realmente defendem a universidade pública estarão ao lado do
ANDES-SN, dos movimentos estudantis combativos e daqueles que possuem uma visão
mais abrangente da situação. Estarão, portanto, ao lado daqueles que entendem
que o problema do bebedouro não se esgota na gestão ou na crise imediata, mas
que há projetos, interesses e políticas implantadas para beneficiar a
mercantilização do ensino. Defender a universidade pública significa combater a
proposta do Banco Mundial fortemente efetivada nos projetos do governo federal
brasileiro. Bom, cabe agora perguntar: de que lado você está?
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