quinta-feira, 3 de setembro de 2015

ANTENADOS


O aniversário


No final do último mês de agosto, mais precisamente no dia 30, foi aniversário do meu avô, Raimundo de Azevedo Costa. Ótima maneira de terminar um mês notadamente amargoso. Pra mim, agosto sempre finda no dia exato em que meu avô nasceu, e assim a vida volta a ser uma maravilha...
Este ano, no que diz respeito à data, experimentamos uma mudança sutil, eu e minha família. Pela primeira vez, em mais de 50 anos de casamento, vovó não passou o aniversário de vovô com ele, em Macapá. Veio visitar os três netos que estão aqui em Fortaleza (eu, inclusive) e, dormindo no meu quarto, uma das primeiras coisas que notou foi a foto que tenho deles dois num porta-retratos branco sobre o criado-mudo. Rindo da descoberta, ela apanhou o objeto e foi logo perguntando: "Quem foi que te deu ordem de botar essa foto feia aí?!". A foto não é feia, claro. É linda. Foto em que vovô, de pé, tasca um beijo na testa dela, que reage sem jeito. Gosto da doçura arrasadora da foto, que sempre me acarinha.
Então, vovó aqui, longe de seu velho. Parece pequeno, mas é grande. Uma das pequenezas muito significativas que o aniversário dele este ano traz para todos nós. Datas se entrelaçam: na última vez em que vovó esteve aqui, em Fortaleza, era meu aniversário de 19 anos, 2013. Ela veio especialmente para a data, mas teve de voltar a Macapá logo em seguida, pelo que muito me aborreci. Não tinha passado nem duas semanas com a gente, e já ia embora! Me irritei de pensar que ela não aguentava ficar longe dos matos macapaenses nem por um segundo. Lembro exatamente do sentimento.
Mas acontece que vovó correu de volta para Macapá naquela época porque vovô estava mal. Uma pequena dor no pé, um ferimento, uma internação. A gente até pensou que fosse certo dengo dele, saudades de sua velha... Mas logo depois veio um caos sem precedentes em nossas vidas, e mostrou que o dengo era mais que dengo. Vovô perdeu a perna.
Eu não aceitava a realidade daquilo. Meu herói amputado. Quando finalmente o peso do incontornável me atingiu, eu não conseguia mais discernir uma vida pós-amputação. Pra mim, a existência terminava ali, no dia em que meu avô perdeu a perna. Era impossível visualizar qualquer coisa que viesse depois. Havia só lacuna e vazio. E a minha existência então terminaria exatamente porque eu achava que, perdendo a perna, a dele acabava também. Eu não poderia viver num mundo em que meu avô não fosse mais tudo o que ele era.
Mas ele ainda é tudo o que era. E talvez muito mais. E a vida não acabou, sabem? Veio tanta coisa boa, depois. Meu avô ainda aqui, fazendo 77 anos no dia 30 de agosto. Uma perna a menos, com muitos anos a mais. E a gente reaprendeu a existir, se adaptou, voltou a encontrar alegria.
O aniversário dele não poderia ser coisa mais bonita que isso: lembrete de que a vida segue, de que a gente cresce, de que a gente perde, mas ganha. E minha vó, logo no dia do aniversário dele, não está lá, mas aqui, comigo, com os netos de Fortaleza, como que a dizer: "Em 2013 eu fui, apressada, mas em 2015 voltei, porque a vida é assim".
Vovô teve de se contentar em não dar o primeiro pedaço de bolo a ela, pela primeira vez na vida, e eu vou aprendendo que é isso a vida: ciclos, e ciclos, e ciclos... E o que importa é estar amando, sendo amado de volta. A minha família é isso.

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