sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

ENTRELINHAS




ARLEY COSTA


Corrupção: o fosso Brasil-Suécia

O âncora do jornal anuncia mais um escândalo envolvendo pessoas graúdas do executivo nacional e fornece detalhes sobre o esquema de corrupção. Encerrada a reportagem de escassos minutos, muda-se o assunto para a fofoca sobre a cantora do momento e os resultados do meio de semana do campeonato brasileiro. Iluminados pelo brilho do aparelho, os telespectadores fazem comentários sobre os acontecimentos relatados. A maioria prefere discorrer sobre a cantora ou o futebol, raros engajam-se em efetivamente compreender e combater a corrupção. O tema parece não mais causar espanto ou envolvimento. Há, no máximo, uma afirmação de que “desse jeito o Brasil não vai pra frente”, um lamento de que “são todos farinha do mesmo saco” ou um clamor por maior punição. Dito isso, voltam-se aos temas de maior ressonância entre a população, a cantora e o futebol.
Acatamos, no Brasil, essa lógica de que a corrupção está encravada no país e que é impossível arrancá-la, exceto com a presença do escolhido, do salvador da pátria. Algo como o Rei Arthur desencravando Excalibur da rocha onde se encontrava para lutar contra a vilania de sua época. Naturalizamos a corrupção considerando-a inerente ao brasileiro e criticamo-la como algo presente em várias pessoas, especialmente nos políticos. Vemos a corrupção nos outros e acabamos por não ser capazes de reconhecê-la em nós mesmos. O jeitinho brasileiro em nós é esperteza ou apenas uma boa malandragem, enquanto nos outros é corrupção impossível de ser aceita. Se falamos de políticos, assumimo-los como o mal encarnado e não reconhecemos que são, tão somente, a expressão da estrutura social e da lógica cultural que nos perpassam e que, em determinados casos maléficos, precisamos combater.
Ao buscarmos referências de reduzida corrupção, acabamos por encontrar nosso oposto em países como a Suécia. Enquanto há séculos vivemos com denúncias cotidianas, ao ponto deste mal parecer sistêmico e independente de pessoas e partidos, os suecos convivem com reduzido número de casos de corrupção, seja entre membros do governo ou em instituições privadas. As diferenças são tão ululantes que começamos a nos debater sobre como reduzir esse enorme fosso que separa Brasil e Suécia.
A busca por soluções que nos permitam um mundo livre de corrupção permite várias análises. Gunnar Stetler, promotor-chefe da Agência Nacional Anticorrupção da Suécia, ao avaliar seu próprio país, apresenta uma compreensão capaz de gerar fartos frutos no combate a esse mal. Segundo o promotor, há três fatores importantes para que a Suécia apresente reduzidos índices de corrupção: transparência dos atos do poder, alto grau de instrução da população e igualdade social.
A lei de acesso público aos documentos oficiais, que na Suécia possui mais de 200 anos, escancara entre outras coisas, os gastos públicos, salários, gastos e despesas de viagem e trabalho do funcionalismo. Assim é permitido ao cidadão e à mídia devassar as informações em busca de indícios de corrupção, enquanto reduzem a possibilidade de omissão de malfeitos por parte dos envolvidos. Essa transparência dos atos do poder fazem com que cerca de quatro denúncias diárias sejam apresentadas à agência anticorrupção. A grande maioria não possui concretude, de modo que cerca de apenas uma em cada quinze é levada adiante e, em geral, envolve questões de menor relevância como servidores que aceitam um convite de alguma empreiteirapara passar o final de semana em um resort em troca de facilitar um contrato. Nada que atinja aqueles que ocupam os principais cargos do executivo, legislativo ou judiciário no serviço público ou o alto escalão das empresas privadas.
O grau de instrução é relevante na medida em que fornece instrumentos cognitivos para que qualquer membro da população possa compreender e investigar o sistema através das informações disponíveis pela lei da transparência. Mas ambas, embora importantes, são insuficientes se não houver igualdade social. Nas palavras de Gunnar Stetler: ”Se uma pessoa tem que lutar diariamente por sua sobrevivência, para ter acesso a alimentação, escolas e hospitais, a questão do combate à corrupção na sociedade certamente não estará entre seus principais interesses. Mas quando uma pessoa se sente parte da sociedade à qual pertence, passa a não aceitar os abusos do poder”.

Ao acatarmos as premissas de Stetner fica claro que será necessário um esforço hercúleo para atravessar o fosso Brasil-Suécia de corrupção. Nosso sistema jurídico é lento, as leis de transparência são recentes e descumpridas em seus elementos essenciais; a educação de nossa população segue claudicante sob o discurso presidencial de “pátria educadora” enquanto seguem insuficientes os investimentos insuficientes no sistema educacional e nos vencimentos dos docentes; e, por fim, parece que andamos na contramão de termos um país menos corrupto na medida em que a desigualdade social no Brasil segue aumentando. Se não começarmos a mudar seriamente a relação nos pontos-chaves apontados por Stetner, o fosso da corrupção seguirá crescente na pátria amada, Brasil!

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