PM e
retaliação
Comecemos
esclarecendo questões importantes. Ninguém em são consciência deseja que um
servidor público como um policial militar seja morto no exercício da profissão.
Todos esperam que ao final do dia ele retorne ileso para sua família, beije sua
esposa, brinque com seus filhos e aproveite sua vida da melhor forma possível.
Mesmo que certo militar seja uma daquelas peças danificadas que prejudicam o
funcionamento da engrenagem, ainda assim ninguém deseja que lhe ocorra o mal.
Todos querem o combate à criminalidade e esperam que a polícia exerça seu papel
de forma que as ruas sejam pacíficas e seguras para que os “cidadãos de bem”
possam transitar. Divergências há, entretanto, sobre como esse combate deve ser
executado. Alguns defendem que a PM pode e deve agir de forma truculenta,
enquanto outros entendem que, sendo representante do Estado no âmbito da
segurança, a polícia deve agir dentro dos estritos parâmetros da legalidade.
Essas
divergências ficaram explícitas quando Belém passou, há poucos dias, por uma
situação que parece prestes a ocorrer em várias cidades brasileiras. Um cabo da
PM do Pará foi morto por criminosos que, segundo relatos, agiram em retaliação
às ações truculentas do militar. Dizem alguns que o referido policial era um
miliciano e que, portanto, agia de forma ilegal, mas não há, até agora, nada
que confirme essa informação. Isso, portanto, deve ser desconsiderado da
análise, uma vez que se presume a inocência até prova em contrário. De qualquer
forma, membros do tráfico mataram um integrante da PM e os policiais sob a Lei
de Talião, aquela do olho por olho, entraram em vários bairros pobres da cidade
promovendo uma busca frenética pelos envolvidos. As informações sobre os
ataques da polícia eram postadas no site da ROTAM, um grupamento da PM, pelos
próprios militares. Indicavam os bairros em que haviam entrado e que estavam em
perseguição de vários criminosos.
A partir
desse momento, relatos os mais diversos surgiram nas redes sociais apresentando
cifras astronômicas de pessoas mortas e feridas, incluindo inocentes. As
informações apresentadas pela PM divergem desses números, indicando um valor
muito menor e afirmando que todos os indivíduos perseguidos eram criminosos
conhecidos. Quando os relatos começaram a pipocar, avaliações sobre o caso
surgiram de todos os lados. Claro que sem os dados, tudo não passa de
especulação, mas ainda assim é relevante que vejamos o que era dito.
De um lado
surgiam aqueles que bradavam “bandido bom é bandido morto!”. Estes defendiam a
ação da polícia afirmando que é preciso dar um fim a essa situação e entendendo
que isso só será possível se a PM rasgar a noite e os bairros pobres da cidade
atacando qualquer pessoa que possa vir a ter qualquer relação com o crime. Ou
seja, onde há suspeita de ilícitos, a polícia pode entrar na casa, revistar,
virar tudo do avesso, ameaçar e mesmo matar. De preferência que essa atuação
seja na lógica do mata primeiro e verifica depois. Estas pessoas são as mesmas
que alegam que o pessoal dos direitos humanos só aparece pra defender bandido e
que não faz qualquer ação quando um policial é ferido ou morto no exercício da
profissão.
Do outro
lado apareciam aqueles para quem a polícia deve cumprir sua função, mas dentro
da legalidade. Entendem que entrar nos bairros pobres tratando todos com
violência como se fossem criminosos é uma evidência de que há discriminação do
Estado com as pessoas segundo sua renda. Estes lembravam que quando a mesma PM
começa a ser mais rigorosa com questões de trânsito (que afeta as pessoas com
um pouco mais de posse), por exemplo, aqueles que defendem a violência
indiscriminada da polícia começam a reclamar. Ou seja, quando a PM é rígida e
ríspida sobre uma parcela da população sem posses e que, em razão de
necessidades mora próximo de criminosos, a polícia está certa em ser
truculenta, mas se age da mesma forma com as pessoas com mais recursos, então
ela é abusiva e autoritária. Nesses casos, para evitar os excessos, brada-se
por direitos humanos contra a PM. É óbvio que os policiais merecem a proteção
dos direitos humanos, mas há uma questão que precisa ser colocada. Quando se
reivindica os direitos humanos, a cobrança é feita ao Estado ou às estruturas
legais como organizações e empresas, não há como cobrar dos criminosos que ajam
de forma a manter estes direitos. A reivindicação cai no vazio.
Por fim, sob
a ótica de quem defende a PM como representante do Estado, não é possível que a
cidade possa ser tratada como uma terra sem lei. A argumentação é a de que
todos devem ser tratados com urbanidade e respeito, independente de onde mora
ou da quantidade de dinheiro que possua. Todos, cidadãos e policiais militares
devem sair de casa e voltar para seus filhos e suas vidas, serem respeitados
pelo Estado, inclusive com salário dignos. O Estado não pode obedecer a lógica
de que bandido bom é bandido morto sob pena de que seu braço armado perca
legitimidade e seja considerado apenas mais uma gangue. Afinal, independente da
posição que cada um tenha assumido, o que todos esperam é que as cidades não
sejam praças de guerra, mas ambientes de convivência pacífica e prazerosa.
Arley J.
S. da Costa
Professor
de Psicologia
UFF -
Universidade Federal Fluminense
PUVR -
Pólo Universitário de Volta Redonda
(21) 980256523
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