sexta-feira, 21 de março de 2014

PIONEIRISMO



Sua história se mistura com a da música amapaense. Deve ser por isso, que ele nasceu no Dia de São José, padroeiro de Macapá, coincidentemente, a mesma data em que se comemora a fundação da Fortaleza de São José de Macapá. Enfim, um homem com alma de artista.


RÉGIS SANCHES
regis.sanches@yahoo.com.br

É muito difícil escrever sobre "colegas" de profissão. Especialmente quando o consideramos nossos mestres. Mas aqui vai.
Na última quarta-feira, 19 de março, Dia do padroeiro da cidade do Meio do Mundo e da Fortaleza São José de Macapá, tive o privilégio de prestar uma homenagem ao mestre Sebastião Mont'Alverne, que então completou 69 anos.
Fui à sua casa para entrevista-lo. Ele veio com seu passo arrastado, ar silencioso, nos olhos as lembranças e nos ouvidos os timbres perfeitos que dedilhou no pinho de seis cordas, desde os oito anos de idade.
Sentou-se em uma cadeira de macarrão. Pronunciou poucas palavras. Sua filha Nara trouxe uma caixa com retratos em preto e branco, dos tempos de Os Cometas, a banda na qual ingressou aos 16 anos.
Não demorou muito, seu filho Guga chegou. Entrou em casa, voltou com o violão Takamine e o entregou a mim. Então, ali sentado numa cadeira de macarrão no pátio da residência do bairro do Trem, tendo como plateia Nara e Guga, eu criei coragem e o presenteei.

Dedilhei o tango "Adios no Niño", do portenho Astor Piazzola; viajei no "Berimbau" de Baden Powell; caprichei em Entre dos Aguas, de Paco De Lucia, o mago do Flamenco, falecido recentemente.
Inspirado, também solei Sultans of Swings, de Mark Knopfler, líder do grupo inglês Dire Straits. Não poderia esquecer o clássico Tears in Heaven, de Eric Clapton.
O suprassumo, o deixei para o grand finale: Bolero de Maurice Ravel, numa versão que aprendi de ouvido, do guitarrista texano Larry Coryell.
Atento, Zeca perguntou:
- Que música é essa?
- É o Bolero de Ravel, respondi emocionado.
Joseph-Maurice Ravel havia sido um compositor e pianista francês, pisciano como Sebastião Mont'Alverne e eu, nascido em 7 de março de 1875. Ravel era conhecido pela sutileza das suas melodias instrumentais e orquestrais, entre elas o famoso Bolero, que ele considerava trivial e descreveu como "uma peça para orquestra sem música".
Como compositor e guitarrista, em criança me deleitei ao presenciar a sutileza com a qual Sebastião Mont'Alverne retirava acordes e solos aveludados de seu violão. Bastava atravessar a Avenida Pedro Lazarino para curtir as serestas que varavam a madrugada na Vacaria do "Seu" Barbosa.
Após a execução do Bolero, comentei as famosas serestas, e Zeca assentiu:
- Lembro da Iraci (filha do velho Barbosa), que hoje mora em Belém. Era esposa do doutor Iaci Alcântara. Ambos patrocinavam aquelas noites maravilhosas.
Por fim, Sebastião pediu que Guga o levantasse da cadeira. E adentrou à casa.

PERFIL


José Sebastião de Mont’Alverne, o “Zeca”, “Caboquinho” ou simplesmente “Sabá”, é o  melhor violonista do Amapá que ouvi tocar. Nasceu em Belém (PA), em 19 de março de 1945. Filho do fazendeiro José Jucá de Mont’Alverne e da professora Aracy Miranda de Mont’Alverne, passou a infância, desde o 1ª ano de vida, na fazenda Redenção, às margens do Rio Araguari, propriedade de seu genitor.
Sebastião foi alfabetizado por sua mãe, com a qual fez todo o ensino fundamental, antigo primário. Sabá aprendeu a tocar de ouvido com o violão de Dona Aracy, um Di Giorgio que ela guardava no guarda-roupa. Zeca tocava escondido. A mãe chegou a proibi-lo, já que ser tocador nos tempos do então Território Federal do Amapá era “coisa de boêmio” e ela queria que o filho estudasse.
Sabá veio morar em Macapá aos 12 anos. Mas aos nove, o então menino, que tinha fascínio pela música. já era um violonista autodidata. Aprendeu só, mas ouviu muitos conselhos para aprimorar-se, como o do seu tio, Jurandir, que lhe disse para nunca bater nas cordas e sim tocá-las.
Zeca se inscreveu no programa “Clube do Gurí”, da Rádio Difusora de Macapá. Caboquinho fora incentivado pelo violonista Nonato Leal, seu irmão Oleno Leal, além de Walter Banhos. Logo o menino estava solando, tornou-se um exímio violonista e entrou para o Regional daquele veículo, acompanhando cantores na rádio como Miltinho, Rosimary, Walter Bandeira.
Ainda jovem, tocou em Belém, com o cantor Orlando Pereira e a banda The Kings, que se apresentavam nos clubes do Remo, Payssandú e Tuna Luso Brasileira. Caboquinho também foi integrante da banda Os Cometas (que tinha a dona Célia, esposa e mãe de seus filhos como vocalista), que fez muito sucesso no Amapá.
Fã do violonista carioca Baden Powell, Sebastião Mont’alverne fez duo com muitos instrumentistas famosos, entre eles Sebastião Tapajós, Salomão Habib, Paulo Porto Alegre e Nego Nelson.

Curiosidades do Caboquinho
Ele é o único afinador de piano do Amapá. Em 1980, ele fez um curso em São Paulo, que o habilitou para a função. Zeca também foi, em 1962, fotógrafo da campanha do ex-governador do Amapá, Janary Nunes, a deputado. Sebastião foi um dos fundadores do “Bar do Gilson”, que reúne a nata dos músicos de Belém.
Professor de violão Clássico por cinco anos na Escola Walkíria Lima, chegou ao cargo de diretor. Também dirigiu a Escola de Música Almir Brenha.
Em 2001, Sebastião participou do projeto “Pedagogia Sabiá”, que ensinava música nas escolas da rede pública. O Caboquinho trabalhou também na Universidade Federal do Amapá (Unifap). Hoje está aposentado do serviço público.
A Prefeitura de Macapá (PMM) o homenageou, em 2005, com uma Placa, pela grande contribuição à arte e à cultura do Amapá. O Conselho Estadual de Cultura o honrou, em 2008, com a “Medalha à Cultura”, pela sua dedicação à música.
Mestre Sebastião Mont’alverne é um homem de bem, que criou três filhos com muita dignidade. Fábio é baterista talentoso, reconhecido dentro e fora do Amapá. Nara é funcionária da Politec. E Gustavo, o Guga, é um roqueiro inveterado.
Resumo da ópera: Sebastião Mont’Alverne é um ícone da nossa cultura. Sua história se mistura com a da música amapaense. Deve ser por isso, que ele nasceu no Dia de São José, padroeiro de Macapá, coincidentemente, a mesma data em que se comemora a fundação da Fortaleza de São José de Macapá. Enfim, um homem com alma de artista. 



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