sexta-feira, 22 de março de 2013

Entrelinhas - Balé da inclusão


Aula de balé. Sala espelhada e a professora a mostrar alongamentos e passos. As aprendizas observam cada plié, tendu e passé que a mestra demonstra. A bailarina, então, solicita que realizem um espacate, abrir as pernas em um ângulo de 180 graus. O movimento gracioso e impressionante é, contudo, difícil de realizar. A execução do espacate demanda muita flexibilidade e está ligada a fatores como idade, gênero e condição de alongamento de músculos, tendões e ligamentos, além de treino. As futuras bailarinas esforçam-se e com maior ou menor desenvoltura fazem o espacate. Uma criança se destaca, sua flexibilidade é absolutamente impressionante e a abertura chega fácil ao nível demandado, suas pernas ficam paralelas ao solo. A professora a elogia. Receber elogios é uma maravilhosa novidade para ela, que vibra e abre um sorriso de pura felicidade.

A aprendiza a receber elogios apresenta trissomia no cromossomo 21, ou seja, é uma criança com síndrome de Down. Sim, a criança sindrômica se destacou em meio à turma. Em razão da síndrome, os elogios são raros, pois o mundo parece não ter sido feito para ela. Todas as exigências que lhe são feitas demandam um esforço que as outras crianças parecem não precisar fazer. No caso do alongamento, ocorre exatamente o oposto. Pessoas com síndrome de Down costumam apresentar frouxidão ligamentar e reduzido tônus muscular, o que permite enorme amplitude articular, assim o espacate torna-se fácil. A regra, entretanto, é exigirem coisas que lhe são extremamente difíceis e custosas.

Como viver em um mundo onde quase tudo que é solicitado envolve um esforço mais intenso que o da maioria das pessoas? Num mundo meritocrático, a resposta aparece fácil: “Se não tem condições, deixa para trás”. Há uma imagem interessante para mostrar o quanto a meritocracia martiriza. A imagem mostra alguns animais, entre eles um macaco e um elefante. Há um avaliador que diz o seguinte: “Os que subirem na árvore serão aprovados”. Óbvio que a capacidade e habilidade de subir em uma árvore são extremamente distintas entre o macaco e o elefante, sendo muito mais favorável àquele que a este. Se, ao contrário, fosse exigido, força física, as situações se inverteriam.

Diferenças de habilidades são comuns. Não somos iguais, mesmo entre gêmeos, a igualdade não é perfeita. Mas enquanto sociedade, lidamos como se fôssemos. Definimos as regras em razão da maioria e deixamos para trás os que não se enquadram. Isso acontece nas escolas. Crianças com maior dificuldade, entre elas aquelas com alguma deficiência, como as com síndrome de Down, são simplesmente negligenciadas. Vistas como menos habilidosas, escola, direção, professores e muitas vezes os próprios pais, entendem que elas não vão aprender. Em razão da lei da inclusão, deixam a criança na sala de aula, mas exprimem clara descrença em qualquer possibilidade de aprendizado. Eis um exemplo: “Ela está na escola para socializar. Você precisa ver o quanto ela fica feliz com os coleguinhas”. Ou seja, a escola passa a ser vista como um ambiente apenas de socialização e não mais de aprendizagem. Infelizmente, mesmo isto não ocorre. Socialização é base para o aprendizado, mas a criança fica na escola sem estabelecer contatos efetivos. É um objeto e não um sujeito. Assim, a criança com síndrome de Down vive solitária em meio à multidão da escola. A escola perde seu principal papel.

A inclusão abrange todos os campos da vida e visa permitir a todos a possibilidade de acessar as ferramentas socioculturais da sociedade em que vive. As escolas em razão de seu papel social devem ser protagonistas em fazer a inclusão acontecer. Mas não adianta jogar isto como cobrança nos ombros dos professores. É preciso que se construa toda uma série de modificações para favorecer a inclusão e a aprendizagem de todos, com ou sem síndrome de Down. Menos alunos por turma, professora de suporte, participação dos pais, equipe multiprofissional, entre outras coisas. Efetivar a inclusão é uma tarefa difícil que teremos que aprender e construir enquanto sociedade. Parte dessa ação foi vincular o 21 de março (21/3) com a trissomia do cromossomo 21 e defini-lo como o dia da síndrome de Down. Uma data mnemônica, para lembrar das pessoas com síndrome de Down e das lutas necessárias para que a inclusão ocorra de fato. 

Discutir a inclusão será um dos objetivos do 2º Congresso Amapaense sobre síndrome de Down que ocorrerá de 3 a 5 de maio na UNIFAP. O evento conta com uma equipe fantástica coordenada por Marinalva Silva Oliveira. Construamos a inclusão! Participemos!

PS: Informações sobre o evento em congresso.ap.sindromededown@gmail.com ou http://congressoamapaensesindromededown.blogspot.com.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

ARTIGO DO GATO - Amapá no protagonismo

 Amapá no protagonismo Por Roberto Gato  Desde sua criação em 1988, o Amapá nunca esteve tão bem colocado no cenário político nacional. Arri...