sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Entrelinhas - Magistralmente iluminado

Noite, 10 de janeiro, a eletricidade se esvai, Macapá às escuras.  Acende-se um céu magistralmente iluminado. Pontos reluzentes espraiados em inúmeras direções. De repente, descobrimos as estrelas. Estávamos a olhar para o alto e a embevecermos-nos com o espetáculo. Curiosamente, embora prendesse a atenção de muitos de nós, não havia nada diferente no céu, as estrelas sempre estiveram lá. Mas, se o céu era o mesmo, por que o admirávamos tão especialmente naquela noite? Porque foi possível enxergar estrelas e constelações que normalmente estariam ofuscadas pelas luzes da cidade. O deslumbre nos acometeu porque éramos capazes de perceber de forma diferente o que sempre esteve ali! O estranhamento nos fez diferentes, pelo menos por uma noite!

Enxergar diferente, fazer diferente, ser diferente! Mudar! A virada de ano esteve repleta de promessas de mudanças. Muitas já quebradas e outras tantas ainda resistindo. Mas como nos modificar? Como mudar o fluxo de vida já estabelecido? Uma proposta é provocar o estranhamento. É conseguir olhar para o que está posto e questioná-lo em sua aparente naturalidade.  E o que deve ser questionado? A resposta é simples: tudo!

O homem é produto e produtor da sociedade. Nossos comportamentos, ideias, leis e emoções, entre tantas coisas listáveis, são fruto desse processo em que homem e sociedade se constroem mutuamente. No início da revolução industrial, um médico recomendava que crianças não trabalhassem 12 horas por dia, pois chegavam esgotadas para a escola dominical. Naquela época era assumido como natural que crianças trabalhassem 12 horas por dia, pois fruto da estrutura social vigente. Atualmente, dizemos que crianças devem estar na escola e achamos normal que os adultos trabalhemos 8 horas por dia. Mas por qual razão a carga horária de trabalho não pode ser de 12 ou 4 horas? 

Outras tantas perguntas podem ser formuladas. Por que mulheres recebem menos que os homens? Por que o Banco Central precisa ser autônomo? Por que, em sua maioria, os presos são negros e pobres? Por que não respeitamos nossos idosos? Por que os trabalhadores somos explorados? Por que alguns não têm o que comer enquanto desperdiçamos 50% dos alimentos produzidos? Por quê? Por quê? Por quê?

Quando nos fizermos perguntas como estas, avançaremos no sentido de compreender que nossas ações e pensamentos estão refletindo os valores sociais da época na qual estamos inseridos e que a forma como enxergamos e interagimos com o mundo está repleta de conceitos e informações recebidas ao longo de nossas vidas. Valores impregnados em nós de tal forma, que os naturalizamos, assumimos como nossos, e esquecemos-nos de estranhá-los. 

Mas estranhar é precípuo! Somente ao questionarmos o que está posto, poderemos enxergar os grilhões das influências sociais e culturais que nos fazem assumir como normais e naturais as ações e ideologias presentes em nosso dia a dia.  Esta perspectiva causada pelo estranhamento ilumina nosso céu com infinitas estrelas e nos permite estar livres para que construamos a sociedade e a nós mesmos de um modo diferente. De preferência, que sejamos diferentes por mais de uma noite!

Por falar em mudanças, após ter escrito o "Educação? Tem, mas não tem!" (Edição 338, p. A9) fui surpreendido com um convite do Tribuna Amapaense para figurar entre seus colunistas. Um desafio, uma mudança. Aceitei o convite, mas precisava decidir sobre o que escrever na coluna. O céu de Macapá em meio à falta de energia me trouxe a definição. Lembrei-me da frase de Mário Quintana: "A noite acendeu as estrelas porque tinha medo da própria escuridão". Decidi escrever sobre minha escuridão. Sobre temas para os quais, mais do que apresentar respostas (até porque não as tenho), pretendo discutir possibilidades de desvelar as ideologias e estereótipos que conformam a forma como percebo o mundo. Quero apagar minhas luzes pessoais e enxergar meu céu estrelado, quero deslumbrar-me com a possibilidade de ver diferente o que sempre esteve ali, quero estranhar o usual, o normal, o que "sempre foi assim". Espero que venham se deslumbrar junto comigo. Fica o convite!

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